A inteligência artificial está transformando funções profissionais de forma contínua, um fenômeno que já vimos com avanços tecnológicos do passado. Operadores de elevador deram lugar a elevadores automáticos, trabalhos manuais no campo foram automatizados e até telefonistas foram substituídas por sistemas telefônicos automatizados. Há inúmeros exemplos de automação e tecnologia substituindo mão de obra humana.
No entanto, a ascensão da IA generativa parece fundamentalmente diferente. O ritmo da mudança é sem precedentes. Por exemplo, em fevereiro de 2025, o ChatGPT revelou que semanalmente 400 milhões de usuários utilizam do seu sistema. A frequência com que novas ferramentas de IA surgem e as existentes são aprimoradas exige esforço constante para acompanhá-las. Ao mesmo tempo, a IA carece de salvaguardas suficientes, alimentando o medo de perspectivas enviesadas que pode propagar.
A IA inspira tanto admiração quanto temor, à medida que organizações adotam a tecnologia. Sua integração gera incertezas sobre o lugar dos seres humanos, especialmente dos trabalhadores do conhecimento, nesse cenário. A comunicação interna sobre IA nas organizações muitas vezes falha, exacerbando ansiedades sobre pessoas serem substituídas por algoritmos.
Os sentimentos das pessoas funcionárias sobre seus empregos e a invasão da IA derivam de dois fatores centrais: identidade e relevância. Identidade refere-se à forma como as pessoas percebem seus papéis, enquanto relevância diz respeito à percepção da importância desses papéis para os outros.
Reimaginando identidade e valor na era da IA: como avanços tecnológicos desafiam nossa noção de si mesmo e significado
Seja a IA ou outros avanços tecnológicos, a evolução nas profissões atinge o cerne de quem somos e se nosso trabalho importa (e, por extensão, se nós importamos). Quem sou eu se posso ser substituído por um algoritmo? Sou valorizado pelo conhecimento, habilidades e experiência que tenho? Meu valor pode ser substituído com alguns cliques? Eu importo? Para algumas pessoas, essas perguntas refletem o medo de perder seus empregos e suas renda. Para outras, tocam em questões mais centrais à identidade.
Identidade
Ao refletir sobre a resposta para “Quem é você?”, as pessoas frequentemente mencionam os papéis que desempenham na vida pessoal: pai, irmão, parceira. Podem incluir dados demográficos ou detalhes sobre hobbies e interesses. Para muitos, a resposta também passa pela profissão: “Sou autor, profissional de marketing, gestor de relacionamentos…”.
Segundo a Pew Research, 73% das pessoas participantes dizem que a carreira é importante para sua própria identidade. Pensamos no que queremos ser quando crescermos, escolhemos formações, cursos e carreiras. Essas escolhas moldam e definem quem somos, como nos enxergamos. Em suma, moldam nossa identidade. Se nossa identidade está ligada ao que fazemos, quais são as implicações quando uma IA faz isso melhor e mais rápido? Se a IA pode substituir parte ou todo nosso papel, ela também substitui partes essenciais de quem somos?
Imagine um escritor orgulhoso de encontrar as palavras certas para transmitir uma ideia importante. Ele aperfeiçoou sua arte com anos de experiência, reflexão e aplicação de suas habilidades. Seu capital é intelectual. Agora, em segundos, a IA generativa produz resultados similares. Embora esse resultado não reflita a emoção, a intuição, a luta, a alegria e a dor por trás das palavras do escritor, o que a IA produz pode ser uma réplica próxima do trabalho humano. Isso não só substitui a contribuição do escritor, mas abala sua identidade. E isso é algo maior que um salário perdido.
Relevância
“Eu importo?”
Relacionada à identidade está a relevância, que questiona se as pessoas sentem que causam impacto. Em sua essência, pergunta: “Alguém se importa com o que eu contribuo?” A questão da “relevância no trabalho” foi destacada no evento Surgeon General’s Framework for Workplace Mental Health and Well-Being como elemento essencial. Pessoas funcionárias querem sentir que seu trabalho tem significado e que contribuem para algo maior. Querem saber que importam como seres humanos. De fato, a maioria afirma que é muito importante se sentir respeitada no trabalho. Aquelas que relataram não ter trabalho significativo, tiveram maior probabilidade de se sentir tensas ou estressadas durante o dia (71%) do que as que têm trabalho significativo (45%).
Pense, nesse contexto, no papel de uma equipe de revisão de textos, responsável por garantir que a organização apresente seu melhor em textos e materiais. Livrar-se de erros, garantir clareza e alinhamento à marca são seus orgulhos. Antes, era a etapa final antes da divulgação pública, hoje, essa equipe talvez nem precise fazer parte do processo. A tecnologia de IA pode ler, revisar, editar e refinar conteúdo com um clique, levando essas pessoas a questionarem se ainda importam para a organização. Quem elas são, se podem ser substituídas por um robô?
Ser substituído por um algoritmo ou robô atinge a dignidade e o respeito das pessoas funcionárias
Como adotar a IA enquanto demonstramos respeito pelas pessoas funcionárias e preservamos sua dignidade? Avanços da IA e a autoconfiança delas podem coexistir? Podemos abraçar a IA sem deixar as pessoas sentirem-se dispensáveis?
Responder a essas perguntas de forma a afirmar a importância das pessoas não é um “detalhe”, é essencial. Organizações não podem ser geridas apenas por IA e são melhores com humanos no processo. Lideranças têm o desafio (e a oportunidade) de conciliar o poder da IA e o valor de seus colaboradores.
O que as lideranças podem fazer
Lideranças têm diversas formas de guiar as pessoas para que entendam seu lugar na cadeia de valor humano-IA e cultivar orgulho em suas contribuições. Aqui vão algumas ações essenciais sobre como facilitar esse processo, independentemente do contexto:
- Promova a consciência sobre o trabalho e o propósito: dialogue para que as pessoas entendam seus sentimentos sobre seus papéis e como percebem suas contribuições nos objetivos da equipe. Compartilhe sua visão sobre o valor que cada pessoa traz.
- Conecte à missão geral: esclareça como tarefas individuais se alinham ao propósito ou missão da organização. Reforce essas conexões regularmente para destacar sua importância.
- Estabeleça metas claras: defina expectativas explícitas, destacando papéis na estrutura organizacional e áreas de responsabilidade. Clareza gera significado e propósito.
- Invista no crescimento profissional: converse regularmente sobre desenvolvimento profissional para mostrar investimento genuíno nesse avanço. Ao abordar preferências de aprendizado e ambições de crescimento, lideranças transmitem valorização.
- Reconheça e celebre contribuições: reconheça publicamente conquistas de forma autêntica, reforçando valor e cultivando uma cultura de apreciação.
Ao implementar essas estratégias, lideranças podem capacitar as pessoas a compreender seu papel na cadeia de valor humano-IA e a abraçar a importância de suas contribuições.
Com a dimensão adicional da IA, aqui estão algumas considerações adicionais para lideranças que estão se aventurando nas águas de uma equipe composta por humanos e IA.
- Adote a IA, mas mantenha a autonomia: evite render-se totalmente à IA. Preserve a espontaneidade e criatividade humanas, reconhecendo que pessoas trazem perspectivas, emoções e julgamentos únicos.
- Explore com cautela, adote com inteligência: adotar a IA sem reflexão crítica pode levar à sua dominância. Priorize qualidades humanas (empatia, discernimento) para manter nossa relevância e identidade.
- Envolva as pessoas nas discussões sobre IA: realizar essa inclusão em diálogos sobre IA demonstra valorização. Colaboração garante que a integração respeite preocupações e perspectivas.
- Priorize a empatia: valide os sentimentos das equipes sobre os desafios no uso da IA. Cultive compreensão de suas experiências para criar um ambiente de apoio.
- Comunicação eficaz é chave: equilibre entusiasmo pela IA com atenção a preocupações válidas. Informe sem sobrecarregar, compartilhe o suficiente para capacitar.
- Mantenha o entusiasmo equilibrado: perceba a IA como sendo uma ferramenta de apoio, não como uma substituta de humanos. Evite enquadrá-la como ameaça e destaque seu papel de aprimoramento, não de competição.
Lideranças têm um papel crucial em reforçar a conexão das pessoas com o propósito. Ao fazer isso, comunicam que o trabalho é importante, e elas também são. Ao liderar equipes humanas em conjunto com a IA, é vital enfatizar o valor único do elemento humano.
Esse artigo foi publicado originalmente, em inglês, por Leah Clark, consultora da GP Strategies, no blog Performance Matters. Dados envolvendo o ChatGPT foram atualizados para refletir a data atual de publicação desse artigo.